segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Final de Semana de Encontros e Pesquisa no Herval

No Lar do Idoso de Herval
Sábado, 27/09 - Uma velhinha braba resmungou “Essa gente tá cheia de vazio!” enquanto um copo transbordava água suja. Foi simultâneo e fluido, quanto mais ela expressava a emoção mais as sujeiras transbordavam para fora do copo. O copo e a água eram ela só que ao mesmo tempo não.
A cena desse sonho curto deve ter durado breves segundos dentro da minha cabeça no rápido cochilo que dei após o almoço. A ansiedade quase não quis que eu dormisse, mas sonhei - ainda bem – acordei, e consegui me lembrar. Isso foi uma hora antes da nossa primeira visita no lar dos idosos.

E lá fomos, dia de céu azul limpo no Herval, cheiro de grama e esterco, aquela poeira alaranjada boa de interior, de vez em quando sons de patas dos cavalos que troteiam pela rua. E o vento daqui... às vezes frio às vezes médio. Esse foi o dia em que fizemos a primeira visita de toda equipe ao Lar do Idoso, eu, a Tatiana e o Thiago. Foi no início da tarde, bem num baile campeiro onde teria a escolha da primeira prenda e do primeiro peão da casa.

Pegamos o trem andando, meios tímidos, ainda somos novos naquele espaço, ficamos sentindo e se deixando entrar no clima de encontro que a festa estava trazendo. Já estava acontecendo a pesquisa, viver aquele momento efêmero já estava trazendo mais vida a nós e ao Quando Envelhecemos. Um gaiteiro de acordeom verde tocou canções do Teixeirinha e do Gildo de Freitas, tocou a música do passarinho. Duas senhoras dançando juntas. Movimentos e suas peculiaridades. Corpos expressivos, sim, pois todos somos a expressão genuína mesmo daquilo o que gostaríamos de rebobinar e apagar. Um corpo é também a história que ele traz consigo em todos os seus níveis.

O voltar a ser criança de novo; o “atira beijo pra eles”; o corpo difícil que não recua; as repetições, o vigor que há nos jovens para avivar os que se movem com dificuldade, re-existências. Encontros, parentes, amigos, filhos, netos, e vós (só agora me dei conta que não escrevi a palavra vô, será que é porque não conheci nenhum dos dois? E como seria se não fosse?). O dia foi encontro, bem como o teatro é.

Domingo, 28/09 - Pela manhã retornamos para Lar do idoso, para mais uma visita. Nos apresentamos e alguns deles também se apresentaram para nós. Tem essa coisa de dizer o nome completo, me chamou atenção isso, hoje em dia a gente diz só o primeiro nome.

"- Um vestido bem comprido era o meu, como eu dancei. Eu dancei bastante, tu viu eu dançando?
- Como era o teu vestido?
- Bem comprido, arrastando pelo chão! de prenda!"

"- Os meus cantores, que injustiça que não existem mais.O Gildo de Freitas e o Teixeirinha. (...) A senhora não quis se sentar na almofada, que fica melhor?
- Herval é bonito a cidade!
- Uma pena que não aumentou muito, mas é muito bonito
mas ao visto do que ele era ta bem aumentado, não é, porque era umas quatro ou cinco casas só.
- Eu casei com um moço... que era ferroviário...ele era empregado no trem de passageiro. Tava indo pra Pelotas e conheci ele, na viagem. A gente começou a conversar e conversar e depois ele seguiu me visitando lá na Airosa Galvão, que era onde moravam meus pais.
- Os dois eram de criação, como eu queria bem essas criança... um depois foi capitão do quartel em Jaguarao, o mais velho. Eram dois meninos, todos se formaram e tiveram boa sorte."

Durante a tarde fomos ao Basílio, meu pai nos conduziu a lugares e histórias. Visitamos a Vera e o seu João, que nos contaram várias outras histórias. Seu João gosta de chasques e de contar causos. Tinha uma árvore, seria uma figueira? "Não", me explicou a Vera, "aquela ali é uma Curunilha".
Ficaram ecoando como figuras presentes a estação, a ponte, a igreja, o arroio, o gado no caminho, árvores e frutas de só esticar a mão e pegar.

Lumilan Noda, Gaudioso Vieira e Tatiana Duarte - Ponte do Basílio

Estação ferroviária do Basílio

Com a Vera e o seu João

Tatiana

Visão frontal da estação


Foto em frente a casa



Lumilan Noda


segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O Tempo e seus Comportamentos

Relação com tempo de acordo com os anos vai ficando diferente, e os enfrentamentos da vida também vão mudando um outro gosto para o viver e como se comportamos com essas modificações ao longo dos anos.. o Tempo que está presente em tudo...
Realato aqui em baixo texto que me fizeram refletir sobre os tempo

"Texto que recebi da Dagma depois do relato do estágio no asilo de idosos"


-Dagma:
Hoje eu amanheci pensando na Tatiana Duarte. Morrer não é um problema, o problema é o jeito que caminhamos para a morte. Envelhecer não é um problema, o problema é o jeito que envelhecemos. Na verdade, o grande problema é o jeito que não somos educados para envelhecer e morrer. Estamos usando tanto produto descartável que assimilamos ser normal descartar nosso semelhante também, Sou de um tempo em que se consertava guarda-chuva, as mamadeiras eram de vidro , a gente usava roupa nova aos domingos, consertava os sapatos, fazia-se bolachinhas de Natal e o pão era feito em casa e a gente aprendia com os mais velhos. Não sei se era o melhor tempo do mundo. Não, não era: os casais não se separavam e vivam infelizes para sempre, mas algo sempre se aprende em qualquer época. Nossa cultura de desconsiderar o idoso está bem longe de ser normal. Pessoas até são substituíveis, mas não são descartáveis.Tua reflexão foi a resposta que encontrei para saber o porquê eu frequento tantos bailes de idosos e escuto Cauby, Ângela Maria, Altemar Dutra, Nélson Gonçalves e paguei o maior mico do estágio: os idosos acharam minhas músicas prediletas muito antigas. Valeu a reflexão Tati. bjks

Dina Sfat 
Uma atriz ousada e potente atuou em muitos trabalhos e se destacou com eles, como Antígone América, dirigida por Antonio Abujamra. Daí pulou para o teatro amador e foi parar no Teatro de Arena, onde estreou profissionalmente vivendo a personagem Manuela de Os Fuzis da Senhora Carrar de Bertold Brecht. Em sua época tinha posicionamento bem claro sobre o papel da mulher na sociedade, defendia o direito da mulher fazer o que bem entendesse com seu próprio corpo.




terça-feira, 2 de setembro de 2014

Vó Amélia

-Eu sou de Soledade, nasci lá em 1930, no meu sangue corre uma mistura de Índio com Italiano. Quando me separei do meu ex-marido meu filho mais guri tinha um ano ele se chama Jairo, hoje ele tem 45, eu fui morar em Porto Alegre nesta época, na vila Jardim, trabalhava em casa de família.


-Eu escutava nas casas das patroas essas musicas antigas Altemar Dultra, Meu velho, Nelson Gonçalves, Hoje quem paga sou eu.
-Já dancei tango, mas tem ser com quem saiba me levar.
-Quando eu era jovem eu era calma, hoje mas se me tiram do sério eu falo...
-Quando alguém me pergunta como eu to, eu sempre falo que “to bem né”
-Eu já sofri tanto nesta vida...( pensativa, olhos profundos)
-A Maria tinha uma tintaiada, de madrugada um furão veio e matou 10 pinto. E fizemos uma panelada de polenta com um moio dos pinto.


-Mandei o Lucas levar um prato para a Maria.
-O meu vizinho tem um açude artificial, é de carpa, não precisa nem pescar é só colocar o dedo na água que o peixe vem e tu puxa para fora. Já comi, fritei com, um ovo. Peixe de açude não tem gosto nem um.
Obs Tatiana: A fala da morte é uma coisa natural nesta altura da vida, vida que se alimenta da morte.
Pela tarde falamos sobre uma saia que ela tinha, que era vermelha; Lembrei ela de que quando era criança tinha uma imagem dela com esse vestido vermelho e uma flor na cabeça.
-Tu podes ter sonhado eu não gosto de flor na cabeça.
-Essa saia deve estar lá na minha bagunça, faz um tempão que não vejo ela. Adoro vermelho, não sem porque, mas gosto;
Falei para ela que tinha um vestido vermelho e que se ela não queria colocar um para agente tirar um foto juntas.
Ela me disse -eu tenho um desta mesma cor tua; (fomos no quarto e ela puxou o vestido que hoje era mais conservador com um corte reto, mas vermelho intenso assim como minha vó usava antigamente ,estava muito quente, mesmo assim ela se propôs a colocar o vestido por cima do que já estava de flores banca e preta, fomos ao banheiro arrumar os cabelos ela com os cabelos brancos, os meus com alguns fios discretos, as duas com um sorriso maroto no rosto, fomos para frente da fazenda nos posicionar para tirar foto. Ela se posicionou com sempre faz porque para ela fotografia poderia lhe roubar a alma... Tiramos as fotos e foi divertido, o tempo começou a apresentar umas nuvens preta como uma onda e nós ali no meio do nada tirando fotos. Foi quando ela parou e disse que tinha que benzer o temporal que tinha muito respeito.
O temporal se aproximava;
 -Vou benzer o tempo que tá ficando ruim. ( Na beira da porta, faz um sinal com a mão direita de cima para baixo com a direita).
Eu com o vestido vermelho em meio ao começo da tempestade comecei a dançar desajeitada, mas me sentindo muito bem em estar naquele lugar fazendo um regate de memórias da minha vó. Dancei até que tive que parar pois os raios já estavam ficando mais constantes e o calor diminuindo.
Tomamos um café com cheiro de mato e um frescor no ar. Caindo a noite sem luz, ficamos até tarde a luz de velas conversando.
Passamos relembrando o tempo que passou e situações de vida e morte, antes que era em roda com muita gente hoje menor e com velas.
-Eu quase morri.
-Um dia, tava desnorteada tinha brigado com seu avô e sai para caminha quando encontrei a Nadir falei para ela o que estava acontecendo, ela  me levou em terreiro, lá nos Jardins. Cheguei lá as 08:00 e fui sair as 22:00 e mestre me disse que tinha que voltar mais três dias, eu falei para ele que não tinha dinheiro. Ele ainda me disse que eu ia conseguir, e que também tinha que levar três tiras de tecido coloridas.
-Mas eu to na casa da minha amiga, moro longe. Ele me disse que não tinha problema, que eu  ia conseguir, dito e feito a Nadir se ofereceu para me ajudar me pagando as passagens. Eu fui no terreiro nos dias que combinamos, o mais estranho aconteceu no ultimo dia, quando o mestre levou em minha cabeça um galinha e ele só colocou o bixo lá e so escutei um cócóricó e o bixo morreu. O mestre me disse que tinham encomendado minha morte, e em três dias eu ficaria sabendo quem tinha tentado fazer. Três dias passaram ai seu avô morreu, era ele que queria me matar.
-Fia agente não precisa fazer graça para o capeta rir, né?

Post por Tatiana Duarte